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domingo, 3 de março de 2013

Residência de CLM, 1997

Aconteceu...tive que fazer aquele plantão da UE (unidade de emergência) novamente sozinho como residente clínico. Já tinha reclamado da falta de supervisão e tutela, mas para pacientes do SUS desesperados por qualquer atendimento, um residente de primeiro ano de clínica médica já estava bom demais! Eles já haviam tentado na farmácia e com os vizinhos e nada de melhora, uai.

Bom, 13 horas...sala de observação cheia, claro. Uma menina linda, 17 anos, cabelos negros e lisos, olhos também negros e lindos, iguais aos que Jobin cantava: "...seus olhos morenos me metem mais medo que um raio de sol...".

Medo. Era isto que aqueles olhos me mostravam. Suplicavam por ajuda e por cima das asas do nariz que se abriam e fechavam em angústia para respirar.  "Ela tem asma desde pequena...", me disse um senhor de sessenta anos, preocupado, mas amável e orgulhoso ao olhar para sua pequena filha que acabara de passar no vestibular de enfermagem.

Olhei os registros médicos da manhã... Minha colega havia passado bem o caso. Asma desde a infância, crises infreqüentes, mas com infecções respiratórias de repetição. Ela já havia realizado naquele dia duas inalações com com broncodilatadores e nada de melhora ... o que havia de diferente agora? Pensei.

Nada! Ela sempre melhora, me disse o pai, porém ele também começara a ficar preocupado.
Procurei um preceptor, como sempre não havia.
Procurei então um médico mais experiente que eu.... havia!

Nebulização com B2 agonista e Ipatrópio! Classe 1 em broncoespasmo!
Piorou...de novo! 17 horas já.
Devo entubar? Pergunto a um colega cirurgião mais velho que eu. Não! E passa sorrindo frente a minha incerteza e incerto sobre ao que perguntei.
Ela fica azul. "Blue code"! Nem sabia o que era isto. E nem ninguém lá também.

Mudo ela de sala...vamos para a sala de parada!!! A enfermagem como sempre ajuda. São eles também azuis. Nós médicos somos vermelhos.

Tento entubar ... a primeira vez em um ser vivo.
Não consigo! De novo não consigo! No livro era tão fácil, mas na minha cabeça tão assustador! 

Grito para chamar no centro cirúrgico um anestesista. Me mandam um residente  de cirurgia.
Ele também não consegue nada além do esôfago. Mas ele sabia como cortar o pescoço dela e me mostrar a traquéia cheia de anéis, estes menos bonitos dos que que uma menina como ela deveria usar. Eram iguais aos meus...

Daí deveria ter ficado fácil. Mas o pulmão não enchia... Ela morreu.

Ao receber a notícia da morte da filha o pai dela saiu correndo pela rua. Eu não podia também sair correndo, pois prezo o meu plantão!



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