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domingo, 7 de abril de 2013


A primeira vez que vi o Léo como médico


     Hospital regional de Betim. O PT havia acabado de ganhar a confiança política da cidade; segundo mandato. Prefeitos diferentes, mas iguais. Iguais por serem do PT e diferentes por serem de sexo oposto. Um grande projeto público de alta complexidade. Belo Horizonte não havia ousado tanto clinicamente. O prefeito anterior de Betim tinha sido operado recentemente lá após um atentado de vários tiros. Saiu vivo. Não havia lugar melhor para se trabalhar na metrópole...nós, preguiçosos médicos, somente éramos chamados à sala de emergência após a capacitada enfermagem já ter monitorizado o doente grave com eletrodos, acesso venoso e impressão clínica inicial.

  Mil novecentos e noventa e oito, final da copa do mundo de futebol - que outra copa do mundo há? - Brasil e França. Uma linda médica, alta e loira, mas com impressão de inexperiente me traz um senhor com dor no peito e eletrocardiograma com BRD ( um tipo de alteração elétrica do coração que geralmente não significa nada ). E a dor no peito persiste, mas como geralmente este eletro não significa nada, dei Dipirona, não melhorou, daí dei morfina. E não é que melhorou? Não passou, mas melhorou!

Gosto um pouco de futebol. Torço pelo Botafogo de Futebol e Regatas. Depois que o Clube Atlético Mineiro havia feito minha infância sofrida nas décadas de setenta e oitenta, resolvi sofrer melhor. Aliás, antes do Éder (do Atlético), não havia conhecido melhor canhoto que o Marinho Chagas, loiro como eu.

Bom, penso já ter ousado falar que plantão não é feito nem para dormir e nem para assistir futebol. Zanzei pelo lindo e novo hospital e vi uma criança no colo de um médico indo para a tomografia...era o meu primeiro plantão lá no Regional e fui apreciar o bom funcionamento do lugar. Vi um rapaz magro de branco andando com uma criança no colo, e a mãe atrás. Era o Léo. Ele não era o técnico da radiologia e nem o pai. Era o neurologista de plantão! Ligou a máquina, esperou ela esquentar e fez a imagem normal do cérebro do menino. Nem no sonho de  Betim havia dinheiro suficiente para a saúde, percebi. 

Depois vi o Léo e a criança e a mãe entrarem numa salinha onde o neurologista colheu o líquor da medula com uma agulha tão pequena que eu só imaginava ser usada para veias da mão. Daí eu percebi como improvisamos aqui. E ele fez bem, uma só picada com material improvisado. Fui ver o jogo, pois a sala de urgência estava controlada e o Léo já havia resolvido mais um caso de meningite viral
Sala de estar médico, confortável e com uma ótima televisão passando a copa. Além do Léo, todos nós de plantão estávamos lá. Toca a campainha da sala de urgência! Havia tombado um ônibus na rodovia em frente à cidade. Todos fomos chamados para a sala - mas... o Brasil ainda estava perdendo - fomos quase todos para lá.
Enfermeira chefe não é brava, ela é somente chefe do fluxo de atendimento, só isto. Me pediu que tirasse da sala de urgência meus pacientes menos graves para acolher os do acidente...Tirei o do BRD, claro, pois BRD não significa nada! E acidente é acidente.

Fuquei olhando. Politrauma! Alguns foram operados, outros só observados... Brasil 0 x França 3...Sirene aguda!!! Não é da sala! É de parada! Meu BRD estava em assistolia na enfermaria. Quarenta e cinco minutos de ressuscitação bem feita. Afinal, para trabalhar em Betim deveríamos ser capacitados pelo ACLS (programa de capacitação de ressuscitação da academia americana de cardiologia). O Ronaldinho fenômeno dormiu, o Brasil pedeu, mas ele, o do BRD, morreu. E eu fiquei com uma baita cara de tacho. 
Conheci o Léo ali, naquele dia. Fui descobrir somente muito tempo depois que eu poderia carregar meus pacientes no colo, independente de qualquer acidente, mesmo meu. Conheci também o BRD no infarto.

PS: Hoje nós cardiologistas ainda acreditamos que o BRE é o grande vilão do infarto. Mas na verdade quem o é, é o BRD! Que mata mais e acreditamos na inocência dele.

PS 2: Hoje tenho comigo o Léo como amigo pessoal e tentamos sobreviver ainda, carregando nosssa profissão no colo, e esquentando as máquinas e colhendo amostras e histórias...enfim, tentando sermos iguais aos que nós cuidamos...

domingo, 3 de março de 2013

Taí, só por causa da expressiva visitação ao tema:

comentário esperado em menos que uma semana. Mulher, 40 anos, dor prolongada no tórax também. Mas ía e voltava...chorava... e precisava de ajuda e acolhimento.

Este ECG me foi enviado de um colega do Paraná, ARAPONGAS/PR, onde há terra roxa de basalto da escola de geografia. E fazendeiros ricos que plantam árvores que nascem sozinhas.

Onde está  o problema?


Exemplo típico de IAM isolado de VD;
observem que não há supra em parede inferior (há perda de vetor positivo lá indicando área inativa).

O supra isolado de V1 a V3 não é oclusão de DA, pois isto afetaria também a parede anterior e/ou lateral por causa das diagonais.

Penso (ciência ainda só acima), penso que seria improvável DA só com isto e a área inativa inferior nos direciona para a CD.

Abraços e até a próxima.

Ornelas


Residência de CLM, 1997

Aconteceu...tive que fazer aquele plantão da UE (unidade de emergência) novamente sozinho como residente clínico. Já tinha reclamado da falta de supervisão e tutela, mas para pacientes do SUS desesperados por qualquer atendimento, um residente de primeiro ano de clínica médica já estava bom demais! Eles já haviam tentado na farmácia e com os vizinhos e nada de melhora, uai.

Bom, 13 horas...sala de observação cheia, claro. Uma menina linda, 17 anos, cabelos negros e lisos, olhos também negros e lindos, iguais aos que Jobin cantava: "...seus olhos morenos me metem mais medo que um raio de sol...".

Medo. Era isto que aqueles olhos me mostravam. Suplicavam por ajuda e por cima das asas do nariz que se abriam e fechavam em angústia para respirar.  "Ela tem asma desde pequena...", me disse um senhor de sessenta anos, preocupado, mas amável e orgulhoso ao olhar para sua pequena filha que acabara de passar no vestibular de enfermagem.

Olhei os registros médicos da manhã... Minha colega havia passado bem o caso. Asma desde a infância, crises infreqüentes, mas com infecções respiratórias de repetição. Ela já havia realizado naquele dia duas inalações com com broncodilatadores e nada de melhora ... o que havia de diferente agora? Pensei.

Nada! Ela sempre melhora, me disse o pai, porém ele também começara a ficar preocupado.
Procurei um preceptor, como sempre não havia.
Procurei então um médico mais experiente que eu.... havia!

Nebulização com B2 agonista e Ipatrópio! Classe 1 em broncoespasmo!
Piorou...de novo! 17 horas já.
Devo entubar? Pergunto a um colega cirurgião mais velho que eu. Não! E passa sorrindo frente a minha incerteza e incerto sobre ao que perguntei.
Ela fica azul. "Blue code"! Nem sabia o que era isto. E nem ninguém lá também.

Mudo ela de sala...vamos para a sala de parada!!! A enfermagem como sempre ajuda. São eles também azuis. Nós médicos somos vermelhos.

Tento entubar ... a primeira vez em um ser vivo.
Não consigo! De novo não consigo! No livro era tão fácil, mas na minha cabeça tão assustador! 

Grito para chamar no centro cirúrgico um anestesista. Me mandam um residente  de cirurgia.
Ele também não consegue nada além do esôfago. Mas ele sabia como cortar o pescoço dela e me mostrar a traquéia cheia de anéis, estes menos bonitos dos que que uma menina como ela deveria usar. Eram iguais aos meus...

Daí deveria ter ficado fácil. Mas o pulmão não enchia... Ela morreu.

Ao receber a notícia da morte da filha o pai dela saiu correndo pela rua. Eu não podia também sair correndo, pois prezo o meu plantão!



Amigos interessados às postagens de eletro: fui criar o blog de ECG que combinamos e redescobri que já possuía um blog pessoal de tempo próximo e saudade antiga.
Daí vou aproveitar este mesmo, pois se já que havia deixado um por falta de tempo, imaginem dois...
À quem não se interessar por eletrocardiografia não invasiva, podem pular a postagem específica. À quem se interessar, podem ler as pessoais anteriores e possíveis futuras, pois são só divagações em noites tão inspiradas quanto às das confabulações (sem referência ao termo patológico) elétricas cartesianas da alma.
A cada postagem eletrocardiográfica, deixarei uma semana para comentário, a cada postagem pessoal deixarei o resto da vida....

Daí vem a primeira postagem eletrocardiográfica:

Observem o ECG abaixo:


 Senhora de 76 anos desconforto torácico persistente com quatro horas de evolução. Troponina I inicial = 0,09, depois de três horas 0,16.

Tratada como IAM sem supradesnível ST pelo colega do PS e também pelo colega do CTI (que somos nós memos...).

No dia seguinte fez CATE: oclusão aguda de Cx.


Comentários:

Supra em parede lateral. Vejam Bayés de Luna em:http://www.jecgonline.com/article/S0022-0736(10)00392-4/fulltext


Até a próxima. 

Ornelas